Simulações: Modelos, propósitos, benefícios e riscos.

É comum que os estudantes e os engenheiros recém-formados confundam simulação com os programas CAE. Apesar de não estar no vocabulário do engenheiro, muitas das disciplinas de um curso de graduação são planejadas para o desenvolvimento de modelos, experimentação de ideias e tomada de decisões. Em meio às provas, trabalhos e os demais desafios da vida acadêmica, parte dessa noção se perde, e o conceito final, que simulação é uma imagem colorida gerada por um computador, acaba guardada para posteridade.

Em um post antigo, abordamos alguns tipos de simulação de maneira breve e superficial, volto ao tema agora para aprofundar um pouco mais os tópicos começando exatamente pelos modelos.

Jean Baudrillard descreve no filosófico Simulacros e Simulações o que é simulação de uma maneira que nenhum engenheiro poderia fazê-lo:

“Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir. Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos sintomas. ”

Simular é expressar algumas das características de algo que não se tem. Em um contexto de engenharia, simular é idealizar um produto ou processo ainda em desenvolvimento, de maneira que ele represente características relevantes à análise, como geometria, peso, função, comportamento… E a esse conjunto de idealizações e características analisadas damos o nome de modelo.

Essa definição ampla engloba uma série disciplinas como simulação, cada um dos livros de mecânica dos sólidos, mecânica dos fluídos, vibrações, elementos de máquinas, termodinâmica e máquinas térmicas, só para ficar nos que eu lembrei agora, são livros de simulação. Ensinando como modelar o comportamento esperado de um equipamento por meio de equações analíticas e um conjunto de hipóteses.

Geometrias criadas por programas CAD também são, por definição, simulações. Permitem visualizar uma representação geométrica de um componente que ainda não existe, fazer inferências a respeito de sua massa, centro de gravidade, volume e momento de inércia. Encaixam-se nessa definição também protótipos em escala real ou reduzida, até testes de laboratório são por si uma simulação, uma vez que a situação real de aplicação de um produto em laboratório dificilmente é igual à aplicação do consumidor.

A criação de modelos é uma forma de se obter dados para explicar fenômenos, realizar previsões e tomar decisões na engenharia. Por meio de um modelo pode se estimar o impacto da redução da espessura em um componente, viabilizar um novo sistema de refrigeração de uma máquina ou replicar um modo de falha de um produto em campo.

Tradicionalmente as simulações são vantajosas pois ou permitem aceleram o desenvolvimento do produto final ou porque é economicamente vantajoso investir em simulação antes do lançamento do produto. Neste caso tanto a função custo quanto a função tempo é dependente do estado da tecnologia.

Há anos as simulações computacionais veem ganhando espaço em detrimento dos testes com protótipos físicos, como mostra a figura abaixo. Porém não há garantias de que essa situação esteja estável, por exemplo, a aparecimento de novas impressoras 3D podem baratear os custos de protótipos físicos tornando essa solução novamente competitiva.

Evolução da aplicação de sistemas CAE.

Evolução da aplicação de sistemas CAE.

A criação de modelos parte da premissa de se assumir riscos e hipóteses. Você pode não lembrar, mas para o cálculo de algumas equações de movimento harmônico você precisa assumir que os deslocamentos são pequenos. Na construção de um produto protótipo algumas geometrias podem não ser replicadas, ou se replicadas podem não apresentar as mesmas propriedades mecânicas.

Aos modelos podem ser acrescidos todos os detalhes, normalmente com um sacrifício de tempo e custo, a experiência aponta que há um valor ótimo, onde o detalhamento excessivo acrescenta pouco benefício ao modelo. Em casos como esse pode ser preferível um novo tipo de simulação ou analisar os riscos para o nível de detalhamento alcançado.

Convergência de um modelo para solução exata.

Convergência de um modelo para solução exata.

De maneira simplificada, os riscos assumidos por um modelo são dois: O modelo leva à conclusão que uma característica é importante quando na verdade ele não é, o que implica que recursos serão direcionados para desenvolvimento de alternativas que são ineficientes, ou o modelo leva à conclusão que uma característica não é importante quando na verdade ela é, neste caso o modelo não representa de maneira fiel a característica analisada e caso não haja nenhuma tratativa até o lançamento do produto, o mesmo pode apresentar falha já nas etapas de produção.

Algumas outras características podem ser usadas para analisar um modelo, como acurácia, reprodutibilidade, repetibilidade, estabilidade entre outras coisas. Mas isso já é assunto para um outro post.

Fontes:

Jean Baudrillard. Simulacros e Simulações

Nelson Back, André Ogliari, Acires Dias e Jonny Carlos da Silva. Projeto Integrado de Produtos

Pedro Alberto Barbetta, Marcelo Menezes Reis, Antonio Cezar Bornia. Estatística para Cursos de Engenharia e Informática

Fernando A. Forcellini. Processo de Desenvolvimento de Produtos.

Altair HyperWorks. Practical Aspects of Finite Element Simulation

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Sobre Diego F Rodrigues

Engenheiro Mecânico pelo Instituto Superior Tupy (2010). Mestre em Engenharia Mecânica com ênfase em Análise e Projeto Mecânico pela Universidade Federal de Santa Catarina (2013). Doutor em Engenharia Mecânica com ênfase em Dinâmica de Máquinas e Sistema na Escola de Engenharia de São Carlos, USP (2018). Desde 1986 simulando, emulando, ensaiando, aprendendo e melhorando.

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